Economia

Transição de governo: veja posições já defendidas por economistas nomeados pelo governo eleito

Por Portal NC

12/11/2022 às 05:32:23 - Atualizado há
Especialistas com perfil liberal e outros com inclinação desenvolvimentista, mais propensos à expansão dos gastos públicos, integram equipe. Membros não vão necessariamente compor ministério de Lula. O vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB), anunciou nesta semana os nomes dos economistas que conduzirão as discussões na área econômica para a transição de governo.

Entre eles, Pérsio Arida e José Lara Resende, especialistas identificados com o liberalismo e com uma menor interferência do Estado na economia. Ambos fizeram parte da equipe que elaborou o Plano Real, em 1994, responsável por debelar a hiperinflação no Brasil.

Em contraponto, também participam da transição na área econômica Guilherme Mello, da Universidade Federal de Campinas (Unicamp), Nelson Barbosa e Guido Mantega, ex-ministros da Fazenda de Dilma Rousseff — de perfil "desenvolvimentista", linha mais próxima do pensamento histórico do PT, e que se coloca mais propensa à expansão dos gastos públicos e participação do Estado.

Os economistas tratarão, por enquanto, apenas da transição de governo, que segue até o final deste ano. O nome do futuro ministro ainda não foi divulgado pelo presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, algo que deve acontecer somente após o seu retorno da COP-27.

O processo de transição é comandado pelo vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, que se desfiliou do PSDB em 2021, após mais de 33 anos no partido.

Ele informou que os integrantes anunciados até o momento não serão, necessariamente, confirmados como ministros ou integrantes do governos em 2023.

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Questionado sobre as diferenças de pensamento dos indicados para a economia na transição, Alckmin afirmou que as visões são "complementares".

"É importante ter num grupo técnico visões que se complementam, se somam. É uma fase transitória para discutir, elaborar propostas, definir questões", declarou Alckmin na terça-feira (8).

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Economistas da transição

André Lara Resende, Guilherme Mello, Nelson Barbosa e Persio Arida estarão na equipe de transição para o governo Lula

Antonio Scarpinetti/Unicamp, Alessandro Dantas/Flickr PT no Senado, Wilson Dias/Agência Brasil e Reprodução/GloboNews

Veja algumas declarações dos economistas da transição sobre temas da gestão pública e desenvolvimento:

Pérsio Arida

Em evento público na terça-feira (8), o economista Pérsio Arida, que foi o assessor econômico de Geraldo Alckmin nas eleições de 2018, mencionou a gestão de Liz Truss, ex-primeira ministra do Reino Unido.

Ela deixou o cargo de premiê apenas 45 dias após assumir. O plano de Truss previa cortes severos de impostos e poucas propostas para cobrir o rombo no orçamento do país.

Em uma referência ao que ocorreu no Reino Unido e a um potencial estímulo na demanda (procura por serviços) e nos gastos públicos, Arida afirmou que o governo eleito precisa ter cuidado para não "queimar a largada".

"Não pode começar com algo que seja percebido como desastroso, como um mal caminho", declarou.

Ele lembrou que o Brasil está vindo de uma política fiscal longe de ser contracionista, ou seja, de cortes de despesas, com o teto de gastos sendo "furado" várias vezes ao longo do governo Jair Bolsonaro.

"Temos um teto de gastos que tem sido furado todos os anos. Então, a preocupação maior agora é de não correr o risco de o governo enfrentar o que aconteceu na Grã-Bretanha. É um alerta importante para o Brasil", afirmou.

Ele também defendeu a realização de uma reforma tributária sobre o consumo e disse, citando Alckmin, que essa seria uma "prioridade" do governo eleito. "Isso é uma ótima noticia", afirmou. Propostas sobre o assunto estão sendo analisadas pelo Congresso Nacional.

André Lara Resende

Apesar do perfil liberal associado ao seu passado, as ideias do economista têm gerado preocupação no mercado financeiro por englobarem uma alteração mais profunda nas políticas macroeconômicas no país — algo classificado como "heterodoxia", como ideias exóticas.

Segundo o jornal "Valor Econômico", Lara Resende sugeriu que as políticas monetária (controle da inflação, atualmente sob a alçada do BC) e fiscal (relacionada com as contas públicas, sob a batuta atual do Ministério da Economia) sejam conduzidas, de forma coordenada, por um comitê composto por diretores do Banco Central e do BNDES – à semelhança do atual Copom.

No atual desenho da política econômica, o BC apenas reage ao que acontece na economia sempre com o objetivo de atingir as metas de inflação. Se o governo por exemplo, eleva os gastos públicos em demasia, pressionando os preços, o Banco Central pode subir mais os juros, ou mantê-los altos por mais tempo.

Já o comitê de políticas macroeconômicas, proposto por Lara Resende, seria o responsável pela trajetória da taxa básica de juros (Selic) e pela implementação de um plano plurianual de investimentos. O economista avalia que o Estado não pode ser "perdulário", mas defende uma expansão maior de investimentos, um dos planos do governo eleito.

Nelson Barbosa

Ex-ministro do Planejamento e da Fazenda na gestão Dilma Rousseff, Nelson Barbosa integra a ala desenvolvimentista da equipe de transição. Ele também participou dos primeiros governos de Lula, nas pastas do Planejamento e da Fazenda.

Na área econômica, de 2003 em diante, Barbosa foi responsável, além de negociar questões tributárias, por estudos de medidas para aumentar o nível de atividade e os investimentos, como as desonerações tributárias implementadas pelo governo.

Também foi apontado como um dos mentores da chamada "nova matriz econômica", implementada entre 2011 e 2014 e criticada por economistas do mercado. Essa política trouxe expansão dos investimentos, tentativa de redução forçada de juros, maior controle do câmbio (desvalorização do real frente ao dólar), expansão do crédito via BNDES e redução de tarifas de energia.

Em artigo publicado na "Folha de S.Paulo" no início de novembro, Barbosa lembrou que o presidente Jair Bolsonaro, derrotado na eleição, já admitia um aumento dos gastos públicos em 2023, para cumprir promessas de campanha). E afirmou que será preciso, ao menos, R$ 200 bilhões em gastos adicionais no próximo ano.

"Mas pensando positivo, com apoio do Congresso, é possível corrigir o PLOA [proposta de orçamento] 2023 preservando programas essenciais para a população brasileira, ao mesmo tempo em que se encaminha uma proposta fiscal para reequilibrar o orçamento no médio prazo, até 2026, sem surpresas ou canetadas. A solução da economia começa na política", afirmou ele, no artigo.

Guilherme Mello

Em artigos publicados na internet, Guilherme Mello citou como referências Maria da Conceição Tavares -- economista que classificava a doutrina liberal como uma "praga" --, e o também economista Celso Furtado – que defendia o papel do Estado na promoção do bem-estar social.

Mello trabalhou na campanha de Lula neste ano como assessor econômico. Ao fim da disputa presidencial, Lula divulgou uma carta com propostas para o governo. Mello informou que o documento era destinado ao país, e não à Faria Lima (uma menção ao mercado financeiro).

Ainda assim, ressaltou que o compromisso fiscal e a responsabilidade com as contas públicas do futuro governo é um ponto central do programa e estava contemplado no texto.

Em outubro do ano passado, Mello publicou um artigo na internet no qual avaliava que, talvez, a causa central da pressão inflacionária que acelerava no mundo todo no ano passado estivesse relacionada com a "ruptura das cadeias produtivas e na escassez de insumos provocada pelas paralisações em diversas empresas decorrentes da pandemia".

Dizia ainda, que, diferentemente do que defendem alguns economistas, a inflação brasileira não era causada pela "ação do Estado, por excesso de consumo ou por déficits fiscais".

O Banco Central brasileiro, chefiado por Roberto Campos Neto, entretanto, avaliava naquele momento que a alta da inflação não estava relacionada apenas com a ruptura de cadeias de produção, por conta da Covid-19, mas principalmente com um aumento da demanda (gastos da população) relacionado aos auxílios para a população carente.

Guido Mantega

O ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega, o mais longevo no cargo em período democrático, não está incluído no núcleo de transição da economia, mas sim na área relacionada com o planejamento (definição de gastos públicos). Antes de ser ministro da Fazenda, ele também comandou o Ministério do Planejamento e do orçamento.

Representante do "desenvolvimentismo", Mantega defendeu, em 2011, aumentos de gastos sociais, mas não para "qualquer setor". Já em 2014, em entrevista ao g1, apoiou o "desmonte" da uma política de expansão de gastos que vinha sendo implementada em detrimento de uma estratégia mais "normal" para as despesas públicas.

Ele também apoiava o uso de bancos públicos para estimular os investimentos (enquanto o setor privado não aportasse valores) para, com isso, gerar um crescimento do emprego. Em sua visão, externada em 2014, o combate à inflação era "prioritário", mas "tão prioritário quanto isso é o pleno emprego"

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De perfil mais intervencionista, Mantega segurou os preços dos combustíveis durante a corrida eleitoral de 2014, de Dilma Rousseff contra Aécio Neves, impondo perdas bilionárias aos acionistas da Petrobras naquele momento. O reajuste aconteceu somente após o segundo turno das eleições presidenciais.

Tensão nos mercados

O anúncio dos nomes para a economia na transição aconteceu em meio à tensão nos mercados, relacionada também com recentes declarações de Lula.

"Por que as pessoas são levadas a sofrer por conta de garantir a tal da estabilidade fiscal nesse país? Por que toda hora as pessoas falam que é preciso cortar gasto, que é preciso fazer superávit, que é preciso fazer teto de gasto? Por que as mesmas pessoas que discutem com seriedade o teto de gasto não discutem a questão social deste país?", afirmou o presidente eleito na quinta-feira (10).

A fala gerou reação nos mercados. Na quinta, o dólar fechou com alta de mais de 4%, a maior para um dia desde março de 2020, e o Ibovespa, principal índice da bolsa de valores de São Paulo, a B3, registrou a maior queda diária em quase um ano. Analistas apontaram que um dos fatores foi a declaração do presidente eleito.

A preocupação dos analistas de mercado é com o aumento permanente de gastos, que, de acordo com o tamanho, pode deteriorar as contas públicas, impactar a inflação e resultar em uma reação do Banco Central na fixação dos juros básicos – elevando-os ou deixando-os altos por mais tempo.

Após a piora nos indicadores, Lula afirmou que o "mercado fica nervoso à toa".

"Eu nunca vi um mercado tão sensível como o nosso", acrescentou o presidente eleito.

Ajustes no Orçamento

O mercado acompanha com atenção as prioridades do governo na economia, que são garantir a manutenção do auxílio para população carente em R$ 600 no próximo ano (até agora, o valor autorizado é de R$ 405), além de um adicional de R$ 150 por criança de até seis anos. Um ganho real para o salário mínimo também está na pauta.

Para isso, o governo eleito busca aprovar uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) autorizando que o benefício para a população carente, no valor de R$ 175 bilhões, seja excluído do chamado "teto de gastos" – que limita a maior parte das despesas à inflação. Ainda não está definido, porém, se essa exclusão será definitiva ou por um período limitado de tempo.

Essa proposta, se aprovada, abrirá um espaço permanente de R$ 105 bilhões em novas despesas por ano no período em que tiver validade. Sem corte de outros gastos na mesma proporção, ou aumento da arrecadação, essas despesas adicionais tendem a elevar a dívida pública na mesma proporção.

O Tesouro Nacional estimou que a dívida pública deverá fechar este ano em 76,2% do Produto Interno Bruto (PIB) — patamar acima da média dos demais países emergentes, que é de cerca de 65% do PIB.
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