Incertezas sobre nomes da equipe econômica e possível estouro do teto de gastos adicionam cautela aos negócios. Imagem ilustrativa sobre a alta do dólar e o mercado de ações na Bolsa de Valores de São Paulo (B3).
KEVIN DAVID/A7 PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
Depois de uma semana de lua-de-mel após as eleições que consagraram Lula como próximo presidente do Brasil, o mercado 'azedou': só nas últimas duas semanas, o dólar subiu mais de 6%, enquanto a bolsa tombou 7,9%.
Mas por que todo esse estresse nos mercados?
Segundo especialistas, a postura mais defensiva dos investidores – quando eles buscam minimizar os riscos de seus investimentos – é natural em momentos de incerteza, como o de agora.
Quais são as incertezas?
A principal dúvida recai sobre a dívida do governo brasileiro.
Para manter as promessas feitas pelo presidente eleito, o futuro governo apresentou ao Congresso a chamada PEC da Transição – uma proposta de emenda constitucional para tirar do chamado teto de gastos as despesas extras, em um total de R$ 198 bilhões.
O texto também propõe que outros custos fiquem fora da conta, como as despesas de universidades federais e com projetos socioambientais, por exemplo.
Veja os principais pontos da PEC da Transição
O que é o teto de gastos?
Proposto em 2016 pelo então presidente Michel Temer, quando a área econômica era chefiada por Henrique Meirelles, e em vigor desde 2017, o mecanismo impõe um limite no valor que o governo federal pode gastar a cada ano.
Por essa regra, o crescimento da maior parte das despesas públicas fica limitado à inflação registrada em 12 meses até junho do ano anterior.
Leia mais sobre o teto de gastos e as mudanças propostas
E qual o problema de furar o teto?
O maior problema é o indicativo que isso dá sobre o descontrole sobre as contas públicas. Se o governo é visto como um possível 'mau pagador', ele preciso pagar juros mais altos para conseguir crédito.
A desconfiança sobre a estabilidade do país afeta também sua moeda (levando a uma alta do dólar) e pode ter efeitos sobre os preços, impactando negativamente a economia do país e a própria população.
Todo o problema vem da PEC?
Para o economista André Perfeito, outros impactos relevantes também precisam ser contabilizados. Ele cita o vencimento de aproximadamente R$ 600 bilhões da dívida pública nos próximos sete meses como exemplo – pagamento que provavelmente precisará ser adiado e que, diante da disparada dos juros nos últimos dias, pode ter um baque significativo nas contas do governo.
“Fora isso vemos um processo inflacionário que também impacta o estoque da dívida. Não vejo necessariamente um problema em fazer gastos fiscais para se ter efeitos macroeconômicos, mas é preciso ter em mente que há esses custos em juros e não apenas os custos dos programas”, afirmou Perfeito, em nota.
Luciano Costa, economista-chefe e sócio da Monte Bravo, lembra que também há incertezas sobre qual deve ser de fato a âncora fiscal do novo governo – o mecanismo que o governo vai adotar para dar previsibilidade às contas públicas.
'Outro ponto são os nomes a serem indicados aos Ministérios da Fazenda e do Planejamento e as dúvidas sobre qual o desenho que o governo vai optar, se serão nomes mais técnicos ou mais políticos”, diz.
Isso já aconteceu antes?
O movimento das últimas semanas foi exacerbado, mas não é inédito.
“Em 2021, por exemplo, tivemos o evento da PEC dos precatórios e, posteriormente, a crise em que os integrantes do Ministério da Economia renunciaram aos cargos", lembra o economista da XP e especialista em contas públicas Tiago Sbardelotto.
"Foram situações em que o mercado apresentou um estresse significativo e, em ambos os casos, a discussão também era alterar a regra do teto [de gastos] e a falta de clareza sobre como isso impactaria a trajetória das finanças públicas”, explica.
O que fazer com os investimentos nesse cenário?
Para as próximas semanas, os especialistas afirmam que o investidor deve redobrar a atenção com o cenário doméstico e aguardar pelo desfecho dessas questões com cautela.
A expectativa é que uma definição mais clara sobre a PEC da Transição aconteça até meados de dezembro, data limite para negociação no Congresso, que depois disso entra em recesso e só retoma os trabalhos no ano que vem. A indicação de nomes para a equipe econômica também deve acontecer em breve.
Diante desse quadro, Costa explica que papéis mais defensivos, de empresas com bons fundamentos e menos expostas aos ciclos econômicos, podem ser uma boa alternativa.
“Ações ligadas a setores de serviços públicos, como elétricas e empresas de concessões públicas, e papéis do segmento financeiro são mais resilientes nesse cenário”, afirma o economista, destacando que pontos externos, como os próximos passos da China em relação às medidas restritivas contra a Covid-19 e o ciclo de juros nos Estados Unidos, também devem ficar no radar.