Foi no primeiro governo de Dilma (2011 a 2014) que o real mais se desvalorizou (queda de 59,97%); quando se analisa o valor absoluto, a maior diferença do real frente ao dólar foi no governo Bolsonaro (R$ 1,40). Notas de real e dólar
Reuters via BBC
A poucos mais de um ano de completar três décadas em circulação, o real já perdeu grande parte de seu valor frente ao dólar. A moeda, que já valeu mais de US$ 1 em seu primeiro ano de vida, hoje não chega a 'comprar' US$ 0,20.
Ao longo desse período, o real teve seus piores desempenhos durante o primeiro mandato de Dilma Rousseff e o governo de Jair Bolsonaro.
O levantamento é de Bruno Imaizumi, economista da LCA Consultores, que analisou os governos de Lula, Dilma Rousseff, Michel Temer e Jair Bolsonaro, com base nas cotações do Banco Central.
Governo a governo
Na variação acumulada, foi no primeiro governo de Dilma (2011 a 2014) que o real mais se desvalorizou (saiu de R$ 1,67 por dólar em dezembro de 2010 para R$ 2,66 em dezembro de 2014).
Os quatro anos que envolveram o segundo mandato de Dilma e o governo Michel Temer – que a substituiu após um processo de impeachment – viram o dólar ter sua segunda maior alta frente á moeda brasileira (46,04%). Na sequência vem o governo Bolsonaro, quando o dólar subiu 36,2%.
Já a maior valorização do real foi no primeiro mandato de Lula (quando a cotação do dólar caiu quase 40%), seguida pelo segundo mandato dele (queda de 22,94% no dólar).
Em valores absolutos, no entanto, foi no governo de Jair Bolsonaro que o preço do dólar mais subiu diante da moeda brasileira. No último dia útil de 2018, o dólar era vendido a R$ 3,8812. Já no último dia útil de dezembro de 2022 valia R$ 5,2860 – diferença de R$ 1,40.
Já a segunda maior alta do dólar foi no segundo mandato de Dilma (substituída depois por Temer), com diferença de R$ 1,22.
Já o mandato em que a cotação do dólar mais caiu foi no segundo governo Lula. Em 2002, o dólar fechou em R$ 3,54. Já em 2006, o valor estava em R$ 2,1364 – diferença também de R$ 1,40, mas dessa vez a favor do real. O segundo mandato de Lula vem em seguida, com diferença de R$ 0,48.
Bruno Imaizumi destaca abaixo os principais fatores que influenciaram o desempenho do câmbio em cada mandato.
Lula 2003-2006
Aos poucos, Lula ganhou a confiança de investidores estrangeiros, passando credibilidade, previsibilidade e estabilidade.
O chamado boom das commodities – sobretudo com a ascensão da China – fez com que o Brasil acumulasse bilhões em reservas internacionais.
No mandato houve crescimento econômico robusto.
Episódios de corrupção como o mensalão não afetaram tanto a evolução da moeda.
Lula 2007-2010
O segundo mandato de Lula também teve valorização de commodities e manutenção do crescimento econômico, porém em ritmo menos acelerado.
O governo enfrentou a crise das hipotecas nos EUA em 2008, que acabou contaminando as economias em todo o mundo. Em 2009, o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil interrompeu uma sequência de fortes altas e caiu 0,1%.
Depois da eclosão da crise, a alternativa escolhida por muitos países, entre eles o Brasil, foi lançar mão de uma política fiscal expansionista. Isso incluiu estimular o consumo e investimentos por meio de renúncias fiscais, ao mesmo tempo em que o governo aumentou gastos para estimular a economia. Essas políticas se tornaram causa de outros problemas, entre eles o endividamento público prolongado.
Dilma (2011-2014)
Aumento maciço de gastos públicos.
Manifestações em 2013 trouxeram instabilidade política.
Denúncias de escândalos de corrupção em diversos ministérios e investigações relacionadas a irregularidades, principalmente na Petrobras.
Ciclo de baixa da taxa Selic, quando a economia ainda estava aquecida, trazendo inflação.
A eleição de 2014 foi muito polarizada, trazendo instabilidade aos mercados.
Dilma e Temer (2015-2018)
Gastos continuaram e prejudicaram as contas públicas, em meio à crise política e econômica.
A agência de avaliação de risco Standard and Poor's (S&P) cortou o grau de investimento (título de bom pagador do Brasil) em 2015, citando deterioração fiscal e falta de coesão da equipe ministerial como motivos.
Impeachment de Dilma e entrada de Michel Temer mantiveram o dólar em patamar estável entre o 2º semestre de 2016 e início de 2018.
2018 foi marcado por incertezas eleitorais, guerra comercial entre EUA e China, alta de juros nos EUA e mudança na política de preços dos combustíveis pela Petrobras, que deflagrou a greve dos caminhoneiros.
Bolsonaro (2019-2022)
No primeiro ano de governo, foi aprovada a reforma da Previdência.
O governo foi marcado pela pandemia, que fez com que investidores procurassem ativos de menor risco, como o dólar.
Aumento de gastos públicos para bancar benefícios sociais – no começo, para amenizar os efeitos da pandemia e, depois, com objetivos eleitoreiros.
Alta da inflação trazida por fatores domésticos e externos e elevação da taxa de juros.
Ataques à democracia trouxeram menor segurança jurídica e elevaram a desconfiança de investidores estrangeiros.
Lula (2023-2026)
Imaizumi prevê que o real tenha valorização neste terceiro mandato de Lula. Mas, no começo, as incertezas deixarão o câmbio volátil no terceiro trimestre deste ano.
Ao longo do ano, o real terá uma valorização moderada conforme haja avanço nas definições sobre a meta fiscal, discussões sobre a reforma tributária e movimento de desvalorização global do dólar.
Duas vantagens para os próximos anos é a posição do Brasil em relação aos temas de meio ambiente e relações exteriores.
Além disso, o Brasil pode atrair mais investidores estrangeiros conforme tenha uma situação melhor que outros emergentes como a Rússia e a China.
O que fortalece o real
A lei da oferta e demanda vale para o mercado de câmbio: se o investidor de fora coloca mais dólares na economia brasileira, haverá um volume maior da moeda por aqui. E quanto maior a oferta, menor o preço.
A credibilidade do país contribui para que haja entrada de dólares de investidores. Entre os fatores que ajudam com o ingresso da moeda norte-americana está uma política fiscal baseada no controle das contas públicas.
O aumento dos preços das commodities (produtos básicos de matéria-prima, como petróleo, soja e minério de ferro, com preços cotados em dólar) no mercado internacional também fortalece o real, uma vez que há um forte ingresso de dólares no país com a venda desses produtos.
A alta da Selic também atrai investidores com dólares para o Brasil, atraídos pela rentabilidade dos ativos nacionais. Aumentando os juros aqui, também se reduz o incentivo para brasileiros enviarem dinheiro para fora porque aqui os retornos estão mais atrativos. O país segue no topo do ranking global de juros reais (descontada a inflação). Com isso, os investidores passam a ver o Brasil como um mercado interessante entre os emergentes.
O que enfraquece o real
Aqui também entra e lei da oferta e da demanda. Se o investidor de fora tira os dólares da economia brasileira, haverá um volume menor da moeda por aqui. E quanto menor a oferta, maior o preço do dólar. Assim, se as contas do governo local não vão bem, os investidores preferem colocar o dinheiro em países mais seguros.
A queda nos preços das commodities no mercado internacional enfraquece o real, pois entram menos dólares com a venda desses produtos. Um cenário de recessão global afetaria esse mercado, pois o fluxo de investimento iria para economias mais estruturadas.
Quando a taxa básica de juros cai, o capital externo não vê retorno atrativo no real. Assim, os investidores deixam de aplicar no Brasil e passam a buscar países onde a política monetária traga mais rentabilidade. Com a elevação dos juros nos EUA, por exemplo, os investidores retornam seu capital para lá em busca de melhores retornos financeiros.
Países emergentes como o Brasil são mais suscetíveis à retirada de dólares do país em momentos de crise econômica generalizada, pandemia ou guerra. Nesses casos, investidores preferem economias seguras, já que o Brasil acaba prejudicado pela chamada "aversão ao risco".