Presidente vem criticando a política monetária do BC, trazendo mais incertezas ao mercado. Roberto Campos Neto e Lula: para especialistas, a melhora da comunicação poderia acalmar os ânimos
Reuters/Arte g1
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) usou a cerimônia de posse de Aloizio Mercadante como presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para subir o tom novamente contra a política monetária conduzida pelo Banco Central (BC).
Desta vez, o presidente criticou a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de manter a taxa Selic em 13,75% ao ano. A decisão em si era esperada, mas o comunicado do BC considera que as expectativas de inflação pioraram, principalmente por conta da perspectiva de gastos públicos mais elevados neste início de governo.
Na carta, o Copom afirma que o índice de preços continua acima do intervalo compatível com o cumprimento da meta de inflação e, para mantê-lo sob controle, deve manter os juros elevados por um “período mais prolongado”.
“É só ver a carta do Copom para a gente saber que é uma vergonha esse aumento de juros e a explicação que eles deram para a sociedade brasileira”, disse Lula.
Não foi a primeira vez que o presidente disparou contra o BC ou a política monetária conduzida pelo economista Roberto Campos Neto.
Lula já falou:
que a independência do BC é “bobagem”, e reforçou que Henrique Meirelles teve autonomia em seu governo anterior mesmo antes da lei;
que a meta de inflação do país, de 3,75%, obriga a “arrochar” a economia brasileira em momento que precisa voltar a crescer;
que iria esperar “esse cidadão”, Campos Neto, terminar o mandato para “fazermos uma avaliação do que significou o Banco Central independente”;
que Campos Neto quer chegar a uma inflação “padrão europeu”, mas que é necessário chegar à inflação “padrão Brasil”;
que o Brasil tem “cultura” de juros altos, e que o patamar de juros e o comunicado do BC são uma “vergonha”.
O “duelo” ganhou destaque no olhar público justamente por conta da independência do BC. Campos Neto foi indicado pelo governo de Jair Bolsonaro e não pode ser demitido por Lula. A lei “blinda” a instituição de ingerência política, e permite que a atuação seja técnica e focada no combate à inflação.
Para economistas ouvidos pelo g1, alguma tensão entre governantes e um BC autônomo é comum. Isso porque juros mais altos são um freio para a economia, e, por aqui, Lula procura motores para reaquecer a atividade do país.
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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante evento no BNDES, no Rio de Janeiro
Ricardo Moraes/Reuters
O que acontece?
Mas a “briga” pode ser um prenúncio de crise institucional que vai além da simples piora de expectativas. O boletim Focus desta semana traz o quarto aumento seguido da inflação esperada para 2023, que chegou a 5,78%. Mas o resultado pode piorar bastante se o governo atacar, de fato, o trabalho do BC.
Para Fábio Kanczuk, chefe de macroeconomia da ASA Investments e ex-diretor do BC, o conflito entre agentes da política monetária e governantes faz parte do trabalho, mas restam dúvidas sobre as reais intenções do presidente.
“Se Lula está precisando de um culpado, tudo bem. Os técnicos ignoram essas declarações e seguem em busca de colocar a inflação na meta. Mas ele pode tomar ações que realmente prejudiquem o funcionamento do BC”, diz.
O economista diz que algumas delas são medidas legítimas. É o caso de uma indicação de equipe de filosofia oposta aos atuais integrantes do BC ao final de seus mandatos. Outras, nem tanto — como forçar demissões, assinar algum decreto que prejudique a autonomia do órgão ou realmente alterar a meta via Conselho Monetário Nacional (CMN).
“Todas essas ações têm efeito de gerar mais inflação. O caminho é o seguinte: o presidente briga, sobe a expectativa de inflação, os juros permanecem mais altos, o presidente fica bravo de novo e fala mais”, afirma Kanczuk.
Lula fala sobre as questões envolvendo o Banco Central
Morde e assopra
Por ora, Campos Neto não tem devolvido as críticas: no único comentário que fez, chegou a por panos quentes quando Lula disse que a independência do Banco Central era “bobagem”. Do lado oposto, enquanto o presidente sobe o tom, cabe ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), e aos seus secretários reduzir os danos.
Na última terça-feira (31), o secretário de Política Econômica, Guilherme Mello, garantiu, por exemplo, que um aumento da meta de inflação não é um tema que esteja “pautado” na Fazenda. O assunto veio à tona na primeira entrevista de Lula de volta à Presidência, concedida à GloboNews.
Na ocasião, o presidente criticou a atual meta de inflação, definida pelo CMN. O petista afirmou que trazer a inflação para perto dos 3,25% atrapalha o crescimento da economia.
“Você estabelecer uma meta de inflação de 3,7%, quando você faz isso, você é obrigado a arrochar mais a economia para poder atingir aqueles 3,7%. [...] O que nós precisamos nesse instante é o seguinte: a economia brasileira precisa voltar a crescer”, defendeu Lula.
Com Lula impedido de influenciar diretamente nos juros, teve início uma especulação de que, dentro do governo, era planejada uma mudança na meta da inflação. O governo tem dois dos três votos no CNM e, com uma meta mais elevada, não seria necessário um patamar tão alto de juros para colocar a inflação dentro do intervalo.
Coube mais uma vez a Guilherme Mello, em evento com investidores em São Paulo, reafirmar que o foco da equipe econômica é apresentar reformas e medidas econômicas que garantam um plano de voo mais claro para os agentes econômicos e esperar seus efeitos.
O secretário afirmou que o debate sobre aumento de metas de inflação está em voga em todo o mundo, dados os choques persistentes depois da pandemia de Covid, mas aposta que a reversão das taxas de juros virá a partir dos planos já anunciados pela Fazenda.
Guilherme Mello, secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda
Celso Tavares/G1
“Eu acredito que essa interação entre política monetária a e fiscal pode surtir efeitos positivos se for bem planejada e bem comunicada. [O aumento de meta] é um debate que o CNM vai ter mais para a frente, mas nosso trabalho é entregar reformas e entender como isso vai trazer impactos ao cenário macro”, disse.
Ele reiterou que, apesar de o Brasil ter um patamar de juros reais elevado, o ministério aposta na reforma tributária, no novo arcabouço fiscal e em uma política sólida de acompanhamento de gastos que possa estabilizar a dívida pública do país para convencer o BC a reduzir os juros.
“Essas medidas têm potencial de reduzir o prêmio de risco, aumentar o PIB potencial e reduzir a taxa de juros neutra, o que cria um processo de estabilização da dívida”, disse Mello.
Incertezas
Esse é o discurso que o mercado financeiro espera, mas que não encontra eco nas declarações de Lula. No papel de político, no entanto, é normal que haja questionamentos do presidente para as condições financeiras na ponta, para população.
“Quando ele diz que o Brasil tem a maior taxa de juros reais do mundo, ele tem razão. E ele também pode questionar por que não há uma resposta ao esforço do ministro da Fazenda, que adiantou alguns planos de política fiscal”, afirma Tony Volpon, economista e ex-diretor do BC.
Para Volpon, o comunicado do BC mostra que a entidade absorveu as incertezas do mercado com relação às medidas do novo governo. E que parte do erro que gera essa tensão é a relação fria entre as partes.
“Se houvesse uma melhor comunicação entre BC, Fazenda e Presidência, ficaria mais claro que a metodologia pede esse resultado, mas que as medidas prometidas pelo governo abrem uma janela para queda de juros”, diz.
“Pelo bem de todos, precisa haver esse entendimento. O BC não pode se esconder atrás de uma muralha porque agora que tem autonomia operacional.”