A psicóloga, palestrante e colunista Rosely Sayão dá dicas sobre como adultos podem proteger as crianças do consumismo e ensinar o valor do dinheiro IF
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Atualmente, três entre os dez maiores canais de uma popular plataforma de streaming são infantis. Somando a audiência deles (embora parte do público seja redundante), estamos falando em mais de 350 milhões de inscrições. Mas será que o conteúdo proposto por esses criadores é adequado para os pequenos? Nesta entrevista, a psicóloga, palestrante e colunista Rosely Sayão, provoca: mesmo que o vídeo seja apresentado por um garoto ou uma garota de nove anos, é recomendável deixar as crianças o assistirem sem tutela? A resposta a essa e outras perguntas você confere agora.
1. Existem riscos em deixar crianças assistindo aos canais infantis na internet sem mediação?
Vivemos no mundo do consumo. Sendo assim, crianças que acessam a internet sozinhas serão muito afetadas. Pode ser que positivamente, mas na maioria das vezes, o impacto é negativo. Por isso, a meu ver, a criança precisa ser tutelada na internet o tempo todo por um adulto. Ele deve conduzi-la a pensar criticamente sobre o que está vendo – algo que ela ainda não sabe fazer sozinha. Aliás, isso vale também para a televisão e todas as mídias as quais ela tem acesso.
2. Que tipo de conteúdo pode ser prejudicial?
Em geral, os pais se preocupam que seus filhos sejam expostos a conteúdo adulto. Mas essa é só a ponta do iceberg: com o advento da tevê, não é preciso aprender a ler e a escrever para que crianças descubram alguns segredos tenebrosos dos adultos como assassinatos, escravidão e crimes. Além disso, muitos canais estimulam o consumismo, e não apenas com objetos, mas com ideias e brincadeiras. Existe ainda um conceito que é deixado de lado: o cuidado com o meio ambiente, porque é ele que nos sustenta, é ele que nos alimenta. Então, quando crianças e jovens assistem a vídeos com desperdício de comida, por exemplo, eles veem isso como uma grande brincadeira porque não estão sendo preparados para enxergar isso de outra maneira.
3. Como explicar para crianças que o dinheiro é um bem finito?
Uma amiga me contou que o filho pediu a ela que lhe comprasse um brinquedo. Quando a mãe disse que não tinha dinheiro, o filho sugeriu: “use o cartão!”. O fato é que a criança não tem noção do valor simbólico do dinheiro. Aliás, esse é um conceito difícil até para alguns adultos entenderem: o dinheiro é uma quantia simbólica oferecida em troca do trabalho, e para consumir algo é preciso trabalhar. A melhor maneira de explicar isso é na prática. Discutir o orçamento familiar, mesmo que de modo superficial, para que ela entenda quais são as prioridades da casa.
Rosely Sayão
acervo pessoal
4. Falar de dinheiro muda de acordo com a situação financeira da família?
Sim. Pessoas que têm um orçamento mais curto podem dizer que recebem x pelo trabalho, que o valor das contas necessárias para a subsistência são y e que o que sobra precisa ser dividido entre lazer e outros itens importantes para a família. Isso vai ajudar a criança a entender qual é a sua situação econômica e que presente tem hora, não pode ser dado a todo o momento.
Já pessoas que têm um orçamento mais largo precisam ficar atentas: uma criança ou um adolescente não deve ter uma mesada enorme. Do contrário, não aprenderá a poupar. Para se ter ideia: conversei uma vez com um jovem que recusava propostas de emprego porque o valor do salário era menor que o da mesada. Ele dizia: “vou ter de trabalhar um mês para receber só isso?” É preciso dar um banho de realidade nas crianças também quanto a vida financeira. A família pode ter todo o dinheiro do mundo, mas jamais deve oferecer uma mesada correspondente a um salário-mínimo.
5. Como orientar crianças e adolescentes que não querem estudar para seguir carreira no mundo digital?
Muitos pais garantem que se o filho estudar, terá um bom futuro financeiro. Esse é um enorme equívoco. Estudar, hoje, não garante isso. Há profissionais preparadíssimos que ganham péssimos salários e jovens ganhando rios de dinheiro na internet sem qualquer formação. Se a universidade não garante isso, por que estudar? Para enxergar a vida de maneira mais compreensível com base no conhecimento e buscar uma vida melhor. Não em termos de conforto material, mas existencial. Estudar ajuda o indivíduo a entender como se colocar no mundo e o que pode fazer por ele.
6. Como lidar com gratificações, recompensas e presentes sem alimentar o consumismo das crianças?
O primeiro ponto é não banalizar os presentes. Se a todo momento você dá um presente para uma criança, vai chegar um momento em que ela vai desprezá-lo. Presente precisa ser, de fato, um presente. Não se trata de uma encomenda que a criança faz e o adulto compra. Presente tem a ver com pensar no filho, escolher, correr o risco de não agradar. Esse valor precisa ser resgatado.
7. Existem pais que não gostam de frustrar seus filhos e, por isso, fazem todas as suas vontades. O que você diria para eles?
Frustrações são grandes lições, na verdade. Não existe a possibilidade de viver sem se frustrar. E o momento certo para aprender isso é na infância. Nesse momento há amparo, há vínculo e acolhimento. Na vida adulta não há essa possibilidade.
8. Para você, inteligência financeira é...
Saber gastar!
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“Criança precisa ser tutelada na internet o tempo todo por um adulto. Ele deve conduzi-la a pensar criticamente sobre o que está vendo – algo que ela ainda não sabe fazer sozinha.”
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