Novas regras para as contas do governo foram aprovadas pelo Senado em junho, mas texto precisa passar novamente pela Câmara. Presidente da Casa, Arthur Lira, adiou votação por tempo indeterminado. Relator do marco fiscal na Câmara comenta adiamento da votação do texto
As novas regras para as contas públicas, que compõem o chamado arcabouço fiscal, podem enfrentar resistência na Câmara dos Deputados, em razão de problemas na articulação política do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O texto já passou por uma etapa de votação na Câmara, em maio, e depois foi aprovado também pelo Senado, em junho. Porém, como foi alterado pelos senadores, há necessidade de uma nova rodada de votação na Câmara.
Nesta terça-feira (1º), o presidente da Casa, deputado Arthur Lira (PP-AL), decidiu adiar, por tempo indeterminado, a nova votação do arcabouço fiscal (veja detalhes abaixo).
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que espera a aprovação nas próximas semanas e chegou a dizer que o arcabouço é essencial para o Orçamento de 2024. "Não tem Orçamento do ano que vem sem essa matéria [arcabouço] votada", disse.
A preocupação do ministro ocorre porque se a nova regra para as contas públicas não for aprovada pelo Legislativo ainda neste ano, haverá uma forte compressão de despesas públicas em 2024. Entenda abaixo o possível impacto:
O que acontece se arcabouço não for aprovado?
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A PEC da transição, aprovada no fim do ano passado ainda na gestão Bolsonaro, mas com articulação política do governo eleito do presidente Lula, autorizou aumento de até R$ 168 bilhões em despesas em 2023.
A medida abriu espaço fiscal para o governo recompor o orçamento de programas sociais, como o Farmácia Popular, e conceder reajuste real — acima da inflação — ao salário mínimo. No entanto, a PEC da transição autorizou aumento de gastos públicos somente neste ano.
O argumento é que esse seria o tempo necessário justamente para aprovar uma nova regra para as contas públicas, em substituição ao teto de gastos, em vigor desde 2017, e que limita o crescimento da maioria das despesas do governo à inflação do ano anterior.
O arcabouço fiscal, se aprovado, tornaria esse limite maior para despesas de forma permanente. Isso quer dizer que, sem a aprovação da nova regra, voltam a ter validade os limites do teto de gastos, que são menores.
Ou seja, a margem para gastos do governo estaria reduzida, o que poderia comprometer a gestão de programas sociais, o plano de conceder aumentos acima da inflação ao salário mínimo, e de recompor o salário do funcionalismo público, assim como de realizar novos concursos públicos.
Por outro lado, a redução de despesas melhoraria as contas públicas. Nos seis primeiros meses deste ano, com base nos valores autorizados pela PEC da transição, houve uma piora de R$ 150 bilhões nas contas públicas, segundo números do Banco Central.
De acordo com Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena e ex-diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente, a rejeição do arcabouço fiscal seria uma "hecatombe política", um desafio de "magnitude grande", que representaria uma redução de gastos superior a R$ 130 bilhões em 2024.
Ele não acredita, porém, na rejeição da proposta. "Não vejo essa hipótese se materializando [rejeição do arcabouço]. Meu cenário base é aprovação do arcabouço", declarou Salto ao g1.
Segundo ele, se o texto não for aprovado, uma PEC seria rapidamente proposta contemplando outra regra fiscal.
"Não tenho dúvida, para construir uma ponte, uma transição. Não vejo a menor chance de retorno ao antigo teto de gastos, que pagou o preço pelo pecado original", acrescentou o economista.
O que prevê a proposta de arcabouço?
A proposta de arcabouço fiscal do governo Lula, que ainda necessita de uma nova aprovação pela Câmara dos Deputados para ter validade, contempla:
que o crescimento dos gastos públicos fique limitado a 70% do crescimento da arrecadação do governo (exemplo: se a arrecadação subir 2%, a despesa poderá aumentar até 1,4%);
mesmo que arrecadação do governo cresça muito, será necessário respeitar um intervalo fixo no crescimento real dos gastos, variando entre 0,6% e 2,5%, desconsiderando a inflação do período.
Além disso, foram fixadas metas para as contas públicas nos próximos anos. Veja abaixo:
zerar o déficit público da União no próximo ano;
superávit de 0,5% do PIB em 2025;
superávit de 1% do PIB em 2026.
A nova regra para as contas públicas, se aprovada, também traz um piso para investimentos, que pode ser maior se houver melhoria nas contas. O valor, que seria corrigido anualmente pela inflação, ficaria entre R$ 70 bilhões e R$ 75 bilhões.
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Prevê ainda que as despesas com saúde e educação voltem a ser reajustadas pelas regras antigas, que vigoravam antes do teto de gastos, o que representaria um aumento de recursos.
O Tesouro Nacional projeta que, com a aprovação do arcabouço fiscal pelo Congresso Nacional, a dívida pública brasileira, um indicador olhado com atenção pelos investidores, se estabilizará abaixo de 80% do PIB até 2026 e continuará sua trajetória de queda nos anos seguintes.
Em junho, porém, o mercado estimou que a dívida superará 90% do PIB em 2032. Na avaliação de Felipe Salto, da Warren Rena, o arcabouço não é a regra fiscal ideal, mas tem bases razoáveis.
"Tem regra de gasto e regra de primário. Há sanções claras e ligação entre os dois eixos. Isso é positivo. Desafio maior agora será a execução, pois além de regra é preciso cumpri-la", completou.
Como está a articulação política?
A decisão de Arthur Lira de adiar a votação do arcabouço foi tomada durante reunião com lideranças partidárias da Câmara. No encontro, líderes repetiram críticas à articulação política do governo e colocaram em xeque o apoio às propostas de interesse do Planalto na Casa.
O ponto central da divergência, segundo deputados presentes ao encontro, é a participação de partidos na composição ministerial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Nesta quarta-feira (2), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se reuniu com Lira. Segundo ele, o presidente da Câmara disse que "não tem nada a ver" a votação do arcabouço fiscal com reforma ministerial.
"Mas ele [Lira] não se comprometeu com prazo, pois precisa reunir os líderes. Ele falou que não vai esperar nada, que não tem nenhum constrangimento em relação ao governo, não está esperando nenhuma ação do governo para votar. Deixou claríssimo isso, até porque ele sabe da importância de definir as regras do orçamento do ano que vem", disse o ministro.