Ao conceder os benefícios, o governo abre mão de parte da arrecadação visando impulsionar setores da economia. Mas Haddad quer rever a prática, ainda mais diante da dificuldade de zerar o déficit fiscal. Os benefícios fiscais concedidos pelo governo -- que têm sido alvo de crítica do ministro da Fazenda, Fernando Haddad --, deverão somar R$ 523,7 bilhões em 2024, o equivalente a 4,5% do Produto Interno Bruto (PIB).
Também conhecidos como gastos tributários, esses benefícios são incentivos fiscais que o governo dá para impulsionar setores. Para isso, o governo abre mão voluntariamente de parte da arrecadação de impostos (veja mais abaixo setores beneficiados).
Haddad tem proposto a revisão de alguns desses incentivos. Ele entende que geram uma piora no equilíbrio das contas públicas, alvo de debate nas últimas semanas, em razão da dificuldade de zerar o déficit fiscal em 2024.
O cálculo de R$ 523,7 bilhões em benefícios fiscais foi feito pela Secretaria da Receita Federal e enviado pelo governo ao Congresso na proposta do Orçamento do ano que vem.
Em 2023, a expectativa é de que os benefícios fiscais fiquem em cerca de R$ 450 bilhões -- o equivalente a 4,29% do PIB.
Na comparação histórica, a projeção para o ano que vem é a maior desde 2015 -- quando os benefícios atingiram o recorde de 4,93% do PIB.
A comparação com o PIB é considera mais apropriada por especialistas em termos históricos.
Na mira de Haddad
Nesta semana, durante participação no Brazil Investment Forum, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que os "gastos tributários" superam a marca dos 6% do PIB somente no plano federal.
Além dos benefícios calculados oficialmente pela Receita Federal, Haddad inclui outros incentivos fiscais menos visíveis -- que ele já informou que busca reverter no Congresso Nacional (veja mais abaixo).
"Atacar o desperdício tributário é essencial para reequilibrar as contas, para não recair o ajuste sobre os ombros dos pobres. Não podemos repetir esse erro. Quanto sacrifício foi feito nos últimos anos que significou um empobrecimento da população que mais precisa de atenção. Vamos, sim, reequilibrar as contas, mas mirando o desperdício. Eu diria sem sombra de dúvidas que o gasto tributário talvez seja o maior desperdício, pois é o mais opaco dos gastos", declarou Haddad, na ocasião.
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Em setembro, o Ministério do Planejamento criou um grupo de trabalho para identificar políticas públicas ou programas governamentais, financiados por gastos diretos ou subsídios, que serão objeto de revisão. As avaliações serão incluídas na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2025.
Em sua meta de buscar o déficit zero em 2024, que vem sendo contestada pela ala política do governo federal, Haddad propôs uma série de medidas nos últimos meses para reverter incentivos a setores da economia. Tais como:
cobrança de 'offshores' e fundos exclusivos;
fim do mecanismo dos juros sobre capital próprio das empresas;
fim de subvenções dadas por estados com impacto em impostos federais.
O governo também já deu indicações de que buscará eliminar, no futuro, a ausência da tributação da distribuição de lucros e dividendos. Os lucros das empresas já são taxados no Brasil, mas a sua distribuição para as pessoas físicas, desde 1996, é livre de tributação – algo que não acontece em quase todos países.
Uma eventual mudança na meta fiscal de 2024, para prever déficit público, ajudaria o governo a minimizar os cortes de gastos para cumprir o prometido. E com isso, a reduzir o impacto nos investimentos em infraestrutura, como obras do novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em pleno ano de eleições municipais.
Corte de despesas
O equilíbrio das contas públicas tem que passar também por cortes de despesas consideradas menos eficazes. Segundo economistas, o ajuste pelo lado da redução de gastos não tem recebido a mesma atenção do governo.
A equipe econômica já sabe que para alcançar a meta de déficit zero em 2024, vai precisar cortar pelo menos R$ 50 bilhões de nos gastos públicos já nos primeiros meses do ano que vem.
"O modelo foi aumentar os gastos fortemente, e depois correr atrás da receita para financiar esse aumento de gastos. Então chegou o momento de encontrar receita, e o governo não está encontrando receita. A despesa cresceu muito", afirmou o economista Marcos Mendes, professor do Insper.
"O fundamental é evitar novos aumentos, tanto da parte do Executivo quanto do Legislativo", completou.
Benefícios fiscais previstos para 2024
Veja abaixo os principais incentivos fiscais previstos pela Secretaria da Receita Federal no Orçamento de 2024 e seus valores:
Simples Nacional: R$ 125,4 bilhões
Agricultura e Agroindústria: R$ 58,9 bilhões (cesta básica aqui incluída, no valor de R$ 39 bilhões).
Rendimentos Isentos e Não Tributáveis - IRPF: R$ 51,3 bilhões
Entidades Sem Fins Lucrativos - Imunes / Isentas: R$ 41,93 bilhões
Desenvolvimento Regional: R$ 40,73 bilhões
Deduções do Rendimento Tributável - IRPF: R$ 33,13 bilhões
Zona Franca de Manaus e Áreas de Livre Comércio: R$ 32,72 bilhões
Medicamentos, Produtos Farmacêuticos e Equipamentos Médicos: R$ 19,74 bilhões
Poupança e Títulos de Crédito - Setor Imobiliário e do Agronegócio: R$ 18,76 bilhões
Benefícios do Trabalhador: R$ 18,36 bilhões
Setor Automotivo: R$ 9,63 bilhões
Reforma tributária
No âmbito da reforma tributária sobre o consumo, vários benefícios relacionados ao PIS e à Cofins, tributos que serão extintos, também deixariam de existir.
Esses incentivos desapareceriam até 2027, quando o PIS e a Cofins serão extintos (pela proposta em discussão no Legislativo).
Essa estimativa não contempla o fim de benefícios da Zona Franca de Manaus e do Simples Nacional, regimes que serão mantidos.
No novo modelo tributário proposto, entretanto, o investimento será desonerado para todos os setores, assim como as exportações.
Nesta semana, Fernando Haddad observou que nem todos benefícios acabarão com a reforma tributária.
"Ninguém quer taxar a santa casa, ninguém quer taxar o Prouni. Todo mundo tem sensibilidade para saber quem tem capacidade contributiva e quem não tem capacidade contributiva", declarou o ministro.
Pela proposta do relator no Senado, Eduardo Braga, poderão ficar isentos de cobrança dos futuros IVAs:
serviços de transporte coletivo de passageiros rodoviário e metroviário de caráter urbano, semiurbano e metropolitano
dispositivos médicos
dispositivos de acessibilidade para pessoas com deficiência
medicamentos
produtos de cuidados básicos à saúde menstrual
produtos hortícolas, frutas e ovos
aquisição de medicamentos e dispositivos médicos pela administração pública e entidades de assistência social
serviços de educação de ensino superior nos termos do Programa Universidade para Todos (Prouni)
automóveis de passageiros comprados por pessoas com deficiência e pessoas com transtorno do espectro autista, e por motoristas profissionais que destinem o automóvel à utilização na categoria de aluguel (táxi)
serviços prestados pelas entidades de inovação, ciência e tecnologia sem fins lucrativos
produtores rurais físicos ou jurídicos com receita anual de até R$ 3,6 milhões
atividades de reabilitação urbana de zonas históricas e de áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística.
As decisões sobre a isenção desses setores, porém, serão tomadas somente por meio de lei complementar -- após a eventual aprovação da reforma pelo Congresso Nacional.
Também haverá regimes específicos para alguns setores, cujo formato também será definido por meio de lei complementar. São eles:
combustíveis e lubrificantes
serviços financeiros, operações com bens imóveis, planos de assistência à saúde e concursos de prognósticos (como as loterias)
cooperativas
serviços de hotelaria, parques de diversão e parques temáticos, bares, agências de viagens e turismo e restaurantes e aviação regional
missões diplomáticas e representações de organismos internacionais
serviços de saneamento e de concessão de rodovias
serviços de transporte coletivo de passageiros rodoviário intermunicipal e interestadual, ferroviário, hidroviário e aéreo
operações que envolvam a disponibilização da estrutura compartilhada dos serviços de telecomunicações
atividades esportivas desenvolvidas por Sociedade Anônima do Futebol (SAF).
Ao mesmo tempo, o relatório também prevê que alguns setores da economia pagarão 40% da alíquota padrão (cobrada de todos os segmentos da economia, também regulamentado por meio de lei complementar). São eles:
serviços de educação
serviços de saúde
dispositivos médicos — entre os quais composições para nutrição enteral ou parenteral e as composições especiais e fórmulas nutricionais destinadas às pessoas com erros inatos do metabolismo
dispositivos de acessibilidade para pessoas com deficiência
medicamentos
produtos de cuidados básicos à saúde menstrual
serviços de transporte coletivo de passageiros rodoviário e metroviário de caráter urbano, semiurbano e metropolitano
alimentos destinados ao consumo humano e sucos naturais sem adição de açúcares e conservantes
produtos de higiene pessoal e limpeza majoritariamente consumidos por famílias de baixa renda
produtos agropecuários, aquícolas, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura
insumos agropecuários e aquícolas
produções artísticas, culturais, jornalísticas e audiovisuais nacionais, atividades desportivas e comunicação institucional e bens e serviços relacionados a soberania e segurança.
Está previsto, ainda, um benefício para a cesta básica nacional, que será desonerada, e outro para a cesta básica estendida - que terá alíquota reduzida (de 40% do valor total). Quais produtos entrarão nestas cestas básicas serão definidos posteriormente, em lei complementar.