Itamar Vieira Junior, que venceu o Prêmio Jabuti com a obra, é servidor público no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e especialista em comunidades quilombolas. "Exclui o acesso a terras": autor de Torto Arado explica o racismo fundiárioO g1 conversou com o autor do livro premiado "Torto Arado", Itamar Vieira Junior, sobre a diferença entre o número de propriedades rurais entre brancos e negros e a disparidade no tamanho delas. Confira no vídeo acima.REPORTAGEM ESPECIAL: Negros são maioria no campo, mas têm menos terras do que brancosA obra do escritor baiano foi vencedora do Prêmio Jabuti, um dos mais importantes reconhecimentos literários do Brasil, na categoria romance literário, em 2020. E por muitas semanas figurou na lista dos livros mais vendidos. Ela conta a história de escravizados e seus descendentes, que cultivavam a terra do patrão sem direito à propriedade. Vieira Júnior é também servidor público no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e se especializou em comunidades quilombolas. No Brasil, negros são maioria dos trabalhadores no campo, mas possuem apenas 2,5% dos estabelecimentos com mais de 500 hectares, enquanto os brancos representam 72,2%. Para Vieira Junior, esses dados são explicados pela história de escravidão no Brasil e como se institui a propriedade privada no país. Em 1850, ocorre a primeira tentativa do Estado de regulamentar esse tema, a Lei de Terras. Com a lei, os territórios do Estado só poderiam ser adquiridos por compra e venda ou por doação da Coroa, ficando proibida a posse por usucapião - quando a propriedade é concedida devido ao tempo de ocupação."Então ali você já exclui grande parte da população que não poderia comprá-la [a terra]. E quem é que não poderia comprá-la em 1850? A população escravizada. Se você exclui desde aquele momento a possibilidade dessas pessoas de terem acesso à Terra, ali já se estrutura um racismo fundiário", explica o autor. Capa do romance 'Torto arado'DivulgaçãoAlém das dificuldades para adquirir a posse do território, falta tecnologia e investimento para que comunidades quilombolas possam entrar no mercado de grandes produções, ficando restritos à agricultura familiar e de subsistência, aponta Vieira Junior."Essa agricultura de subsistência foi uma forma histórica de resistir também", afirma. Ainda assim, a produção nem sempre pode ficar nas mãos de quem a plantou."Meu pai foi criado em uma comunidade de ascendência afro-indígena até os 15 anos, no Recôncavo Baiano e ele foi criado pelos avós paternos dele", conta. "Meus avós paternos eram agricultores, não tinham terra e plantavam em terra alheia. E tinham que dar a meia, que era a metade da produção, ao proprietário da área. Passavam imensas dificuldades por isso" , relata Vieira Júnior. Esse cenário é retratado no livro "Torto Arado", em que as protagonistas Bibiana e Belonísia vivem em uma comunidade que também deve dar a meia para os donos do território.Saiba mais sobre a entrevista no vídeo ao início da reportagem.Leia também:Área de plantio de arroz e feijão encolheu mais de 30% em 16 anos, com o avanço da soja e do milhoEsvaziado, programa federal de aquisições de alimentos vê doações despencaremRecursos para pequenos produtores, imagem no exterior, produção sustentável: especialistas apontam desafios de Lula no agroQuilombo Cafundó luta pela terra há 150 anos e mantém viva tradição dos ancestraisGente do Campo: quilombo CafundóDe lavrador a produtor: como o café especial mudou a vida do Ivan