Fim do pacto pode dificultar escoamento de produtos agrícolas ucranianos, reduzindo a oferta desses itens em mercados globais e forçando a alta de seus preços. O anúncio de que a Rússia não renovará sua participação em um acordo que permitia aos ucranianos exportarem grãos pelo Mar Negro pode ter um impacto nos preços globais dos alimentos.Isso porque a Ucrânia é um dos maiores exportadores mundiais de girassol, milho, trigo e cevada. Os preços desses produtos já subiram nesta segunda-feira (17), após o anúncio do fim do acordo.O pacto permitia que navios de carga ucranianos passassem pelo Mar Negro a partir dos portos de Odesa, Chornomorsk e Yuzhny/Pivdennyi. Graças ao arranjo, mais de 32 milhões de toneladas de alimentos ucranianos chegavam aos mercados mundiais. A Ucrânia agora precisará encontrar rotas alternativas para suas exportações.No início da guerra, em fevereiro de 2022, o bloqueio da Rússia fez com que cerca de 20 milhões de toneladas de grãos ficassem presos em portos do Mar Negro. A baixa oferta em meio à alta demanda fez os preços mundiais dos alimentos subirem - o que pode acontecer novamente.Quando o acordo foi assinado e os embarques de grãos recomeçaram, os preços mundiais dos alimentos caíram cerca de 20%, de acordo com a agência da ONU para Agricultura e Alimentação (FAO).Outro risco do fim do acordo é a possível escassez de alimentos em vários países africanos e do Oriente Médio, que dependem da importação de grãos ucranianos.Na semana passada, Shashwat Saraf, diretor regional de emergência para a África Oriental no IRC, pediu, em um comunicado, que os envolvidos fizessem uma extensão do acordo a longo prazo para criar "previsibilidade e estabilidade" para a região, que perdeu grandes quantidades de colheitas por causa da seca e das inundações."Com aproximadamente 80% dos grãos da África Oriental sendo exportados da Rússia e da Ucrânia, mais de 50 milhões de pessoas na África Oriental estão passando fome e os preços dos alimentos dispararam quase 40% este ano", disse Saraf.LEIA TAMBÉM:Ciclone destrói fazendas de gado e causa morte de animais no RSCogumelo: quanto tempo dura? Pode lavar? Veja 10 dicas para escolher, guardar e prepararPor que há montanhas de milho ao relento no interior do BrasilReclamações russasO porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse que o pacto chegou a um fim "de fato" nesta segunda-feira (17/07).Mas Moscou disse que retornaria ao pacto se suas condições fossem atendidas.O presidente russo, Vladimir Putin, diz que partes do acordo que permitem a exportação de alimentos e fertilizantes russos não foram honradas. Ele também afirma que os grãos ucranianos não foram fornecidos aos países mais pobres, o que era uma condição do pacto.A Rússia também diz que as sanções ocidentais estão restringindo suas próprias exportações agrícolas. Putin já havia ameaçado diversas vezes se retirar do acordo.O Ministério das Relações Exteriores do país reiterou na segunda-feira essas queixas, acusando o Ocidente de "sabotagem aberta" e de "egoisticamente" colocar os interesses comerciais do acordo à frente de seus objetivos humanitários.Mas o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, disse a repórteres que acredita que Putin "quer continuar o acordo" e que eles discutirão a renovação do pacto quando se encontrarem pessoalmente no próximo mês.A Turquia participou da negociação do acordo, assim como a ONU.Qual era o acordo de grãos?Quando a Rússia invadiu a Ucrânia em fevereiro de 2022, sua marinha bloqueou os portos do país no Mar Negro.O acordo de grãos com a Ucrânia permitiu que navios de carga passassem com segurança ao longo de um corredor no Mar Negro de 310 milhas náuticas de comprimento e três milhas náuticas de largura. O corredor dava acesso aos portos ucranianos de Odesa, Chornomorsk e Yuzhny/Pivdennyi.O pacto também permitiu que a marinha russa vasculhasse navios em busca de armas no Estreito de Bósforo, na entrada do Mar Negro.Por que a Rússia se recusou a renovar o acordo de grãos?Governo da Ucrânia analisa alternativasO presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, disse que seu país pretende continuar exportando grãos, destacando que o acordo foi composto por dois acordos que se espelham - um assinado pela Ucrânia e outro pela Rússia."Não temos medo", disse ele sobre a decisão da Rússia de se retirar do acordo."Fomos abordados por empresas que possuem navios e estão dispostas a continuar embarcando grãos se a Ucrânia concordar em deixá-los entrar e a Turquia em passá-los."Nikolay Gorbachev, presidente da Associação Ucraniana de Grãos, disse à BBC que seus membros identificaram meios alternativos de exportação de grãos - inclusive por meio de seus portos no rio Danúbio.Mas ele admitiu que os portos seriam menos eficientes, reduzindo a quantidade de grãos que a Ucrânia pode exportar e aumentando o custo de movimentação.Os líderes ocidentais foram rápidos em condenar a decisão, com a presidente da Comissão da UE, Ursula von der Leyen, acusando a Rússia de uma "ação cínica", acrescentando que Bruxelas estava tentando "garantir a segurança alimentar para os vulneráveis do mundo".A embaixadora dos Estados Unidos nas Nações Unidas, Linda Thomas-Greenfield, descreveu a medida como um "ato de crueldade".O anúncio do Kremlin veio poucas horas depois que a Ucrânia assumiu a responsabilidade por um ataque a uma ponte na Crimeia que matou dois civis.Peskov disse que a Rússia deixar o acordo expirar não tem relação com o ataque. "Antes deste ataque, a posição foi declarada pelo presidente Putin", disse ele a repórteres em Moscou.Quando a ONU negociou o acordo, a entidade disse à Rússia que o pacto ajudaria a aumentar suas exportações de grãos e fertilizantes.Embora os países ocidentais não tenham imposto nenhuma sanção aos produtos agrícolas da Rússia, Moscou diz que as sanções ocidentais dissuadiram empresas de navegação, bancos internacionais e seguradoras de negociar com seus produtores.A Rússia pediu que seu banco agrícola estatal, Rosselkhozbank, fosse reconectado ao sistema de pagamento rápido Swift (do qual todos os bancos russos foram barrados em junho de 2022).A ONU sugeriu que a Rússia criasse uma subsidiária do banco, que teria permissão para usar o Swift - mas a Rússia recusou essa opção, dizendo que demoraria muito.Outros esquemas sugeridos, como o processamento de pagamentos de alimentos e fertilizantes por meio do banco americano JPMorgan Chase, ou por meio do African Export-Import Bank, também fracassaram.Que outras rotas de exportação existem para o grão ucraniano?A União Europeia (UE) tem um plano para distribuir grãos ucranianos que não podem ser embarcados pelo Mar Negro.O órgão diz que o alimento pode ser transportado através da fronteira da Ucrânia com a Polônia e levado para portos no Mar Báltico, ou por trem e barcaça até o porto romeno de Constanta.Desde o início da guerra, a Ucrânia tem enviado cerca de 10% de suas exportações de grãos através de sua fronteira terrestre com a Polônia. No entanto, é provável que haja engarrafamentos se exportar mais grãos por essa rota.As ferrovias da Ucrânia têm medidas diferentes das do resto da Europa, o que significa que cada trem carregado de grãos deve ser transferido de um conjunto de vagões para outro na fronteira.Além disso, a rede ferroviária na Europa Oriental não tem capacidade para transportar para os portos do Báltico e Constanta, mesmo os volumes relativamente baixos de grãos que a Ucrânia tem exportado por terra até agora.A maior parte desses grãos permaneceu em países do leste europeu, como Polônia, Hungria, Romênia, Bulgária e Eslováquia, em vez de ser transportado para mais longe. Essa quantidade satura os mercados locais e faz com que os preços dos alimentos caiam nesses países.Para proteger a renda dos agricultores nesses países, a UE concordou em restringir as exportações de alimentos da Ucrânia até 15 de setembro.Para onde foram as exportações de alimentos da Ucrânia?A ONU diz que de todos os produtos alimentícios que a Ucrânia exportou sob o acordo de grãos no ano passado:A ONU diz que, sob o acordo de grãos, a Ucrânia enviou 625.000 toneladas de alimentos como ajuda humanitária para o Afeganistão, Etiópia, Quênia, Somália, Sudão e Iêmen.Em 2022, mais da metade dos grãos comprados pelo Programa Mundial de Alimentos da ONU veio da Ucrânia.*Com reportagem de Antoinette Radford