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Economia

'Estou pessimista com o mundo, mas o Brasil pode se destacar', diz Marcio Fontes, da ASA Investments


Em entrevista ao podcast Educação Financeira, o gestor explica a reação positiva dos mercados e seu 'otimismo relativo' com o destino do país sob a batuta de Lula em seu terceiro mandato. Marcio Fontes, gestor de portfólio da ASA Investments

Divulgação/ASA Investments

O saldo foi positivo no mercado financeiro em sua primeira semana após a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições presidenciais de 2022. Nos dias úteis que se seguiram ao fechamento das urnas, o dólar teve queda de 4,56% e o Ibovespa, principal índice da bolsa de valores de São Paulo, subiu 3,16%.

Em entrevista ao podcast Educação Financeira, o gestor de portfólio da ASA Investments Marcio Fontes explica a reação positiva dos mercados e seu “otimismo relativo” com o destino do país sob a batuta de Lula em seu terceiro mandato.

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Para ele, o Brasil está bem posicionado para receber investimentos contra a cesta de países emergentes que inclui a China, que dá sinais de desaceleração de sua economia, e a Rússia, que permanece em guerra com a Ucrânia e tornou-se pária para quem toma decisões de aplicação de recursos.

Dentre as vantagens do país com Lula, Fontes diz que o mercado espera justamente um reforço das relações comerciais e melhores práticas ambientais nos moldes ESG (Ambiental, Social e de Governança), o que ajudaria o país a ganhar mais protagonismo dentre as economias globais.

A preocupação, como largamente expressada por agentes do mercado, é com as contas públicas. Fontes afirma que o mercado está pronto para ser relativamente tolerante com um aumento de gastos no primeiro ano de governo contanto que Lula sinalize um plano para resolver o problema no médio prazo.

Abaixo, os melhores trechos da entrevista e o áudio completo da conversa no podcast.

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g1 – A primeira reação do mercado ao resultado final da eleição não foi ruim. Como enxergou essa primeira reação?

Nas primeiras horas, o mercado veio mal, mas já melhorou ao longo do dia. Tivemos dois mundos operando: o investidor local e o investidor internacional.

O local estava bem mais pessimista com a entrada do Lula, sob a ótica de uma incerteza fiscal, de como resolver isso. Com Bolsonaro, havia uma perspectiva um pouco mais delineada, pois seria novamente o Paulo Guedes ou alguém muito parecido com ele tocando a área econômica.

Já o investidor lá fora tem um outro olhar, de que o Brasil com o Lula será mais integrado com as economias, atraindo mais investimentos, que viriam sobretudo com uma nova postura do país em relação à questão do ESG.

É uma lógica de que há investimentos bloqueados nos últimos anos, que poderiam voltar em um momento bastante peculiar no mundo emergente. O Brasil faz parte de uma cesta de países emergentes, então concorremos com países como China e Rússia. Dadas as novas linhas políticas que esses países estão seguindo, o Brasil é um polo neutro do ponto de vista geopolítico. Um país pacífico, respeitador das questões ambientais, e pode se destacar.

Então, o mercado acordou com a visão do local na segunda-feira e foi dormir com a visão do estrangeiro.

g1 – Quais os próximos passos? Onde o mercado está de olho agora?

No curto prazo, o Lula vai precisar de um “goleiro”, que é o ministro da Fazenda. Ele tem os projetos sociais e metas de governo, mas não pode estar desguarnecido. Na economia, temos um problema sensível, que é fazer com que a trajetória das contas públicas seja sustentável no médio prazo. Um nome forte na economia vai ajudar muito a ter um tempo e dar credibilidade para algo ser construído em uma direção positiva.

Um nome, por exemplo, como do Henrique Meirelles seria muito bem visto. É uma pessoa que já trabalhou no governo Lula e no governo Temer — que apesar de ser um presidente impopular, é bem visto pelo mercado. Então, é uma pessoa que teria as qualidades técnicas para tocar o Ministério da Fazenda ao mesmo tempo que tem algum trânsito político. Isso vai ser importante porque o Congresso Nacional não será tão amigável ao governo. Precisa ter muita habilidade política para negociar as reformas pedidas.

Já uma linha que o mercado ficaria um pouco com pé atrás é a de um ministro mais político e menos técnico, como foi a época de Antonio Palocci (no primeiro mandato de Lula). Mesmo colocando um corpo técnico robusto no segundo escalão, é uma hipótese que, no primeiro momento, seria vista com um pouco mais de cautela.

g1 – As primeiras conversas sobre economia dão muita importância para a questão fiscal. Qual a sua avaliação desse cenário em que Lula vai assumir, em que muitos gastos não estão bem inseridos no Orçamento?

Será preciso monitorar. O mercado tem uma certa paciência para um gasto inicial além do teto, algo na ordem dos R$ 100 bilhões. Um plano de gastos muito superior a esse deve aumentar a complicação.

Em geral, quanto mais “frouxo” com os gastos no começo, mais agressivo terá que ser depois para ancorar as expectativas e trazer um sentimento positivo do mercado.

E mesmo que os planos estejam dentro dos R$ 100 bilhões, isso não desincumbiria o novo presidente de oferecer para o mercado as ideias de médio prazo para consertar as contas e financiar os gastos sociais que tendem a aumentar ao longo do tempo. Todos querem ver como esse déficit poderia se transformar em contas mais neutras ou, eventualmente, superavitárias.

g1 – Outro entrave na economia é a perspectiva de desaceleração da economia global. Qual a sua visão das consequências desse cenário?

Preciso voltar um pouco a história. Do início dos anos 2000 até, grosso modo, 2020, foram duas décadas de muita virtuosidade. É um mundo que estava integrando as suas cadeias de comércio, em que os governos, de maneira geral, estavam praticando a austeridade fiscal, dando espaço para o setor privado nas economias para fazer a produtividade crescer.

Era um mundo relativamente pacífico, uma arquitetura geopolítica de estabilidade. As pessoas também passaram mais tempo poupando dinheiro em função do aumento da percepção do seu tempo de vida.

Até então, o desafio dos principais bancos centrais foi combater um processo de desinflação. O grande risco era algo inédito em economia: os bancos centrais dos principais países do mundo emitiram muita moeda e isso não gerou inflação. Como consequência os ativos subiram muito de preço.

O que está acontecendo agora? O processo virtuoso está mudando. Os governos precisam ter mais interferência nas economias, que, em geral, têm menos eficiência. É um processo de desglobalização. O cidadão que mora nos Estados Unidos estava incomodado com o chinês que estava entrando e tomando um emprego dele. Agora, ele quer mais proteção social.

Nunca a participação do trabalho no lucro das empresas médias foi tão baixa, então esses indivíduos estão elegendo governos com viés de maior proteção social, maior gasto público e maior tensão geopolítica. Por isso, os juros no mundo vão continuar subindo ou ficarão altos por um bom tempo.

Marcio Fontes, gestor de portfólio da ASA Investments

Divulgação/ASA Investiments

g1 – E como o Brasil se insere nesse contexto com esse novo governo?

Temos algumas vantagens. O déficit de conta corrente é muito baixo, então nosso endividamento externo também é baixo. Devemos também seguir a linha de um país que contribui com a questão do ESG, o que vai atrair investimentos. Nesse ciclo global de aperto monetário, começamos primeiro e estamos mais acostumados a lidar com a inflação.

Eu vejo o Brasil, pelo menos no relativo, melhor que o mundo. Mas em um mundo complexo. Por um lado, esse contexto global vai puxar os ativos a performarem mal. Entretanto, o nosso contexto local tende a ser positivo

g1 – Na sua avaliação, estamos bem posicionados? Dá para te chamar de otimista com o Brasil?

O mercado não é sempre binário. Estou nos tons de cinza, pois sou pessimista com o mundo hoje. A bolsa americana deve piorar em relação aos preços de hoje. Acredito que os EUA precisam de juros mais altos para combater esse processo inflacionário, e juros mais altos deprimem o preço dos ativos.

E hoje se discute se é preciso uma restrição sobre juros porque, eventualmente, o mercado pode questionar a sustentabilidade das dívidas. Estamos falando de países do G10. Então, vamos ter mais inflação, menos previsibilidade e menos crescimento.

No Brasil, os preços da bolsa já estão muito descontados, então o sarrafo para se sobressair não é alto. O mundo constante — não piorando mais do que eu espero que vá piorar— e o Brasil tem nesse relativo positivo, teremos episódios táticos de boa performance. Mas daí para ficar super otimista com o país, é outra história.

g1 – Onde estão as boas apostas, então?

Os juros descontam o valor de todos os ativos, mas é preciso ficar atento aos detalhes. Os Estados Unidos têm uns 20 % dos juros globais, mas representa 80% no mercado financeiro do mundo. Então os juros têm potencial de chupar o dinheiro que foi exportado para o mundo de volta para a origem. Não é um bom quadro.

Então, minha avaliação é de que a bolsa americana está caríssima. Em especial, porque os juros devem aumentar um pouco mais.

O mercado de petróleo, por exemplo, está extremamente desbalanceado. As reservas americanas estão no mínimo histórico, a capacidade de produção no mínimo histórico, e um mundo que vai, sim, montar a estrutura para partir para o ESG.

Nesse sentido, produtos energéticos têm boas perspectivas. Se não maltratarem tanto a Petrobras, por exemplo, ela está extremamente barata, pagando dividendo da ordem de 30% ao ano, com bons múltiplos. Teremos empresas que vão se beneficiar com a volta do Minha Casa Minha Vida. Setores de educação também.

Talvez a nossa taxa de juros demore um pouco mais para cair, mas não deve subir — diferente do resto do mundo. A gente não tem mais os juros atrapalhando a performance dos ativos, então há uma estabilização econômica positiva.

Sobre o câmbio, os modelos de curto prazo mostram que os “R$ 5 e pouco” estão próximos do equilíbrio. Então, apesar de alguns investimentos que podem entrar no Brasil, há uma atratividade maior na bolsa.

g1 – O que gostaria de ver acontecer neste próximo ano para chegar em 2024 satisfeito com o mercado brasileiro?

Já identificamos que o Brasil tem o prêmio. Então, o que precisa é de uma “história legal” para aumentar a disposição a investir no Brasil.

Então, eu gostaria de ver um ministro da Fazenda que o mercado goste, que pense dessa forma mais fiscalista. Seria muito bom encaminhar uma boa reforma administrativa para melhor uso do dinheiro público, uma boa reforma tributária para que nosso país cresça a taxas mais aceleradas e com maior produtividade.

Gostaria também de ver um país, como está sendo sinalizado, mais amigável aos outros países do mundo, com relações de comércio exterior e crescendo.

Vendo que a coisa está indo para esse lado, eu ficaria animado em comprar ativos brasileiros com maior ênfase. Meu viés já é esse, tenho um otimismo relativo com o Brasil, entretanto trato como parte tática e com uma alocação ainda pequena. Mas a ideia é aumentar, não diminuir.

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