Atividade econômica passou a desacelerar, mas ainda deve ter alta de 3% no ano, empurrada pela supersafra que impulsionou a Agropecuária em 2023. Agora, o trabalho é entender onde estão os riscos para que a freada não se acentue. PIB: Agropecuária pode ter crescimento de 14% em 2023, segundo projeção da SulAmérica Investimentos.Reprodução/Jaelson Lucas/AENSem os efeitos da supersafra que carregou o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro no primeiro semestre, o novo resultado da atividade confirma a expectativa de analistas de uma desaceleração da economia. Neste terceiro trimestre, o PIB do país teve alta de apenas 0,1%, conforme divulgou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta terça-feira (5). Especialistas ouvidos pelo g1 esperavam um resultado entre queda de 0,5% a estabilidade em relação ao trimestre anterior.Agora, as atenções estão no futuro: quais fatores podem desencadear uma desaceleração mais intensa, e quais podem reverter a tendência e trazer um ritmo melhor em 2024?Variação trimestral do PIB brasileiro até o 3° tri de 2023g1Os economistas têm tido dificuldades de cravar os resultados em suas projeções — parte disso porque não é mais tão intuitivo saber os efeitos de medidas macroeconômicas no dia a dia. Alguns exemplos:A alta dos juros ainda não causou efeitos significativos no mercado de trabalho, o que ajuda o país a manter o consumo;Com consumo presente, o setor de serviços tem resistido: desacelerou, mas em ritmo mais lento que o esperado;Além disso, possíveis impulsos fiscais no futuro, como o pagamento dos precatórios atrasados, podem injetar bilhões na economia — e, consequentemente, acabar aquecendo a demanda.Por outro lado, o patamar de juros ainda é alto, e os efeitos podem se arrastar e atingir os próximos meses;Ao mesmo tempo, esses efeitos dos juros e do alto endividamento das famílias, que haviam impactado pouco o consumo, passaram a mostrar mais as caras;E um outro ponto de piora é o cenário externo: uma recessão nos Estados Unidos pode retrair os investimentos globais e complicações da China podem afetar nossas exportações; Por fim, o cenário é de incerteza sobre os efeitos do El Niño na safra de 2023/2024, e boa parte do PIB deste ano vem de commodities agrícolas.Essas dúvidas que permeiam a cabeça dos economistas são chamadas de "balanço de riscos" no jargão dos profissionais. Analistas ouvidos pela reportagem explicam o racional por trás de cada um dos tópicos.Veja a seguir.Juros altos e o consumoO Brasil iniciou um ciclo de queda da taxa básica de juros em agosto. Mas, por quase um ano, a Selic permaneceu em patamar bastante alto, de 13,75% ao ano.Juros mais altos elevam o custo do crédito, reduzindo o consumo das famílias e o investimento de empresas — ao menos na teoria. Nesse período, houve algum impulso de consumo por meio de benefícios sociais, enquanto o mercado de trabalho se aquecia.Em setembro, último mês do terceiro trimestre, o país tinha taxa de desemprego em 7,7%, a mais baixa desde o trimestre terminado em fevereiro de 2015. Também houve recorde histórico de trabalhadores ocupados, com 99,8 milhões de trabalhadores.Já o rendimento médio real foi de R$ 2.982 em setembro, um aumento de 1,7% no trimestre e de 4,2% no ano.Claro que o mercado de trabalho brasileiro ainda passa por um processo de normalização desde a destruição de vagas durante a pandemia de Covid-19, mas são números que contrariam a lógica de um país com juros altos.A melhora do mercado de trabalho ajudou muito a manter o consumo de serviços, o principal no PIB. A expectativa era de que esse setor teria sofrido muito mais até aqui.O endividamento das famílias também pesou menos do que o esperado no primeiro semestre em virtude de medidas fiscais tomadas pelo governo. São os casos do aumento real do salário mínimo e do reajuste para beneficiários do programa Bolsa Família.São medidas que injetaram capital em famílias de renda mais baixa, trazendo mais consumo de bens não-duráveis, como alimentos. É uma situação que pode não se repetir no ano que vem, pois a previsão é que os preços subam sem os efeitos de oferta da supersafra de 2023.Para o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, as travas de crédito e desaquecimento da economia por conta dos juros devem mostrar mais as caras neste segundo semestre, o que já fez economistas revisarem para baixo a projeção de fechamento do PIB para este ano.Houve surpresa no primeiro semestre, mas o segundo está decepcionando mais do que se imaginava. O efeito negativo dos juros em serviços, no varejo, na indústria está se tornando mais claro com o tempo.Vale projetava queda de 0,5% neste trimestre e aposta em um PIB na casa dos 2,7% ao final do ano. "O risco é voltarmos para um cenário de 2017 a 2019, em que as commodities não estavam com desempenho brilhante e a economia relativamente fraca."Mas a economista-chefe da SulAmérica Investimentos, Natalie Victal, coloca ainda mais uma questão no radar, que pode bagunçar o jogo: o pagamento de precatórios pelo governo federal.A equipe econômica tem planos de quitar os valores ainda neste ano. A ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, quer enviar ao Congresso Nacional uma Medida Provisória para criar crédito extraordinário para permitir o pagamento do estoque de R$ 95 bilhões."É um montante importante de recursos que, quando entrarem, têm potencial para gerar um aquecimento temporário de consumo", diz a economista.Análise do PIB sob a ótica da ofertag1Investimentos sentiram o pesoPor outro lado, Juliana Trece, do FGV Ibre, indica que a ação dos juros foi mais determinante pelo lado do empresariado. As taxas mais altas, somadas às indefinições da agenda econômica do governo, foram freios até aqui e são pesos para os próximos trimestres.O segmento de Formação Bruta de Capital Fixo, que mede os investimentos, está em queda muito forte neste ano. Além dos juros, entram na conta a crise fiscal e a reforma tributária, que atrasam as decisões de empresários.Recentemente, o governo federal revisou sua previsão de déficit primário para mais de R$ 170 bilhões em 2023. A desconfiança do mercado sobre o governo lidar com seu próprio endividamento deixa o capital estrangeiro mais afoito. Além disso, a reforma tributária ainda está em aberto. Empresários preferem um pouco mais de visibilidade antes de botarem a mão no bolso.Essa aversão ao risco traz um efeito direto nos juros e no câmbio, e faz com que o patamar mínimo da Selic fique mais alto que o previsto. Em resumo: mais espera para destravar o cenário e água no chopp para quem planeja investimentos a longo prazo. Análise do PIB sob a ótica da demandag1Agro excelente, mas não sozinhoO ponto pacífico entre aqueles que acompanham a atividade econômica é que a Agropecuária teve desempenho excepcional nos seis primeiros meses do ano, quando entraram nas Contas Nacionais o efeito da supersafra deste ano. O resultado reposicionou a expectativa para o PIB do Brasil em 2023, mas não se repete no segundo semestre com o fim da colheita. Natalie Victal, da SulAmérica, projeta um crescimento do setor na casa dos 14% em 2023. Mas ressalta duas questões: não foi um crescimento isolado e um desempenho especial não é o cenário-base para 2024. A economista calcula que, ao final de 2023, o PIB brasileiro terá crescimento de 2,8%. Mas teria crescimento de 1,8% excluindo a Agropecuária.É um crescimento brilhante, pensando que o agro representa um terço do PIB considerando toda a cadeia. Mas os desempenhos de serviços e da indústria extrativa, em especial de petróleo, são bem relevantes.Para o ano que vem, a SulAmérica espera crescimento de 1,5%. Para isso, contudo, o PIB Agro deve vir estável em relação a este ano. Aqui entra a incerteza vinda da safra 2023/2024, em meio ao El Niño.Uma quebra de safra de produto importante ou mesmo uma variação negativa de escoamento por conta de crise em parceiros comerciais podem gerar uma revisão dos números para baixo. "Um crescimento tão expressivo também faz com que 'qualquer coisa' possa diminuir um pouco o resultado do agro no ano que vem", diz Natalie Victal.Olho no exteriorAs exportações também foram destaque do PIB até aqui. E o ritmo de exportações ajuda a segurar o câmbio e, por consequência, a inflação. A balança comercial registrou um superávit de US$ 71,3 bilhões de janeiro a setembro deste ano. O valor representa um aumento de 50% em relação ao mesmo período do ano passado e a projeção é terminar o ano acima dos US$ 90 bilhões.Acontece que a China, principal parceiro comercial do Brasil, passa por um momento de crescimento desafiador. O governo chinês estabeleceu uma meta de crescimento econômico de cerca de 5% para este ano. Mas as divulgações de dados ao longo do ano são mistas, e sugerem que será necessário mais estímulo para sustentar o arranque. Uma falha na engrenagem pode prejudicar o Brasil diretamente.Nos últimos três anos, o resultado do PIB está muito ligado às commodities, especialmente agrícolas. Qualquer dado econômico que se olhe, há destaque para o Centro-Oeste nesse período.Nas estimativas do economista, a expectativa é que a Agropecuária e a Indústria Extrativa, expressões do mercado de commodities no PIB, representem até 70% do crescimento do ano — e esse é o tamanho da dependência de parceiros como a China.Por fim, há receio de recessão nos Estados Unidos. É o tipo de situação que causa efeitos além do simples impacto no comércio exterior: um desarranjo da economia americana apavora investidores e os fazem buscar ativos seguros.Com isso, o Brasil perde como mercado emergente. Os dólares de investidores vão embora, trazendo impactos no câmbio e pressão sobre os juros — que precisam subir para serem mais atrativos em meio ao risco. Os últimos dados, porém, dão algum alívio: a inflação de bens nos Estados Unidos recuou e deve facilitar a convergência para a meta de 2%. Em outras palavras, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) pode pensar em reduzir os juros mais cedo, antes que venha uma crise mais agressiva.